Publicamos hoje uma reportagem que conta como o TikTok usou trabalhadores brasileiros terceirizados para transcrever vídeos ao custo de menos de um salário mínimo por pessoa. E a rede social, que comemorou a marca de um bilhão de usuários ativos nesta semana, não estava pagando por um trabalho qualquer: era, segundo um dos gerentes, a força humana que ajudava a alimentar a inteligência artificial. Adriana Zanotto, uma das pessoas que denunciou o projeto, por exemplo, passou um mês inteiro fazendo transcrições de trechos de vídeos e ainda não recebeu os R$ 700 que lhe haviam prometido em nome da ByteDance, a dona do TikTok. Levou um calote. A história completa está aqui. Mas, antes, eu quero contar uma parte deste processo de apuração. Como sempre, tentamos pegar o “outro lado” do TikTok. No jargão jornalístico, o “outro lado” é o contraponto à história que está sendo contada, a versão dos acusados sobre os fatos narrados. Mas, no caso das grandes empresas de tecnologia, é como falar com um atendente de telemarketing robotizado. Respostas objetivas praticamente inexistem. Existem notas padrão, produzidas geralmente por assessorias de imprensa terceirizadas, e pouca prestação de contas ao público sobre o que acontece nas plataformas. Isso, é claro, nos melhores casos. Nos piores, o que impera é o silêncio. Na reportagem que publicamos hoje, o TikTok simplesmente se recusou a responder. Foram várias tentativas por e-mail, WhatsApp e telefone desde julho deste ano. O repórter Paulo Ribeiro teve uma única resposta, em que a assessoria de imprensa terceirizada pediu mais informações sobre o "enfoque" e "de onde a pauta surgiu". Depois que ele explicou que o texto partiu de denúncias de funcionários e que havia documentos e vídeos que corroboravam os relatos, não houve mais resposta. Eu mesma liguei para a assessoria de imprensa. Ouvi que seria preciso falar com a ByteDance, dona do TikTok, nos EUA. Tentamos, então, pedir uma resposta deles diretamente para o diretor de comunicação da empresa. Ele também nos ignorou. Era um trabalho "terceirizado do terceirizado", como definiu uma das gerentes do projeto, em uma cadeia tão diluída que não apenas o dinheiro se esvaía entre os contratantes – mas, também, a responsabilidade. Zanotto diz que nunca teve nenhuma resposta das recrutadoras brasileiras. O contratante paquistanês afirmou que o valor não foi pago por causa da "baixa qualidade" das transcrições. A ByteDance, avisada por ela em um e-mail formal, também ignorou. Entre julho e setembro de 2021, o TikTok me enviou 11 e-mails com releases sobre campanhas, parcerias publicitárias e novidades na plataforma. A assessoria de imprensa estava trabalhando duro, mas para controlar a narrativa sobre a companhia. Perguntas incômodas poderiam ser deixadas de lado sem prejuízo para a marca. Eu poderia dizer que se trata de um problema, digamos, mais pessoal com o Intercept. Isso porque publicamos, no ano passado, duas reportagens que deram muito trabalho para a equipe de relações públicas da empresa. Em uma, contamos como, diante de um suicídio transmitido ao vivo, a empresa correu para limpar sua imagem antes mesmo de ligar para a polícia. Em outra, detalhamos as absurdas políticas de moderação de conteúdo, que orientavam pela supressão de favelas e pessoas feias. Mas não é só com a gente. E não é só o TikTok. Veja, por exemplo, o caso do Google. Nós temos publicado várias reportagens mostrando como funciona a lucrativa rede de blogueiros e youtubers de extrema direita. Recebendo por anúncios direcionados, eles recebem uma ajudinha do YouTube para conseguirem audiência – e, assim, faturarem mais com anúncios, um dinheiro que é dividido com o próprio Google. Em junho, enviei a seguinte mensagem à assessoria de imprensa da empresa: Calculamos que o Google, por meio dos anúncios do YouTube, pagou US$ 1.174 milhões aos 12 canais investigados no inquérito. Tudo isso por meio de anúncios no YouTube. Assim, gostaria de saber: - O Google confirma esses pagamentos?
- Os canais ainda são monetizados?
- Algum deles, com exceção do da Sara Winter, foi suspenso por violação dos termos de uso?
A empresa pediu mais tempo para responder. Afirmei que não seria possível estender o prazo. Recebi como resposta a seguinte nota: “O YouTube é uma plataforma de vídeo aberta e qualquer pessoa pode compartilhar conteúdo, que está sujeito à revisão de acordo com as nossas diretrizes da comunidade. Quando não há violação da política de uso do produto, a decisão final sobre a necessidade de remoção do conteúdo cabe ao Poder Judiciário, de acordo com o que estabelece o Marco Civil da Internet.” Dois meses depois, pedi novamente informações semelhantes, desta vez relacionadas aos canais que estavam exibindo vídeos monetizados incitando ao ato golpista de 7 de setembro. Perguntei, por exemplo, se o YouTube removeu ou desmonetizou conteúdo relacionado aos atos de 7 de setembro. Recebi como resposta exatamente a mesma frase robótica. Em outro caso, desta vez sobre o Twitter, levantei que o número de denúncias sobre neonazismo havia explodido entre 2019 e 2020. Enviei quatro perguntas sobre os dados levantados e sobre conteúdos de inspiração neonazi que permaneciam no ar apesar de claramente violarem os termos de uso da plataforma. Mais uma vez, uma recusa em responder objetivamente. "O Twitter está comprometido em proteger a conversa pública e desenvolve um trabalho contínuo nesta frente, como a criação e aplicação de Regras que determinam os conteúdos e comportamentos permitidos na plataforma, incluindo, por exemplo, a política contra propagação de ódio", disse a plataforma. Mesma coisa com o Facebook. Nessa mesma pauta, perguntei, por exemplo, por que havia diminuído o número de posts neonazistas removidos se o número de denúncias na plataforma estava crescendo. Mais uma vez, uma resposta genérica. "Nos últimos anos, o Facebook triplicou as equipes dedicadas a garantir a segurança e a integridade de suas plataformas, para mais de 35 mil pessoas, das quais 15 mil estão focadas na revisão de conteúdo em mais de 50 idiomas, inclusive o Português. Também continuamos a priorizar a remoção de grupos de ódio nas nossas plataformas em todo o mundo", disse a rede social, sem comentar os números que eu apresentei, compilados pela Safernet. E, não, não é só um problema do Intercept. Faz parte da cultura dessas empresas não individualizar as questões e não responder com objetividade – é muito mais fácil enviar uma resposta padronizada, que reproduza mensagens padrão e gere pouca dor de cabeça depois. Afinal, poucas crises de relações públicas são capazes de abalar os negócios na escala que essas empresas têm. Mas isso não nos impede de fazer o nosso trabalho. Não cobrimos o tema com base nos releases enviados pelas assessorias de imprensa. Partimos quase sempre de outro ponto: denúncias ou análises que mostram justamente o que elas querem esconder. Nesses casos, o “outro lado” no jornalismo de tecnologia se torna, na maioria das vezes, um passo absolutamente protocolar e que só serve para reproduzir notas burocráticas. Ainda assim, o silêncio das empresas em comentar ou clarificar questões incômodas também diz muito sobre elas." Fonte: Intercept Brasil |
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