Mariana pode virar desastre mais fatal da gigante BHP
O trágico episódio em Mariana (MG)
está longe de ser a primeira grande crise a manchar a imagem da
anglo-australiana BHP Billiton – a maior mineradora do mundo em
valor de mercado em 2014 e uma das sócias da Samarco junto com a
Vale –, mas pode se tornar o episódio mais fatal em um
empreendimento da empresa até hoje.
De acordo com a BHP, o acidente com
maior número de mortes em projetos da empresa havia sido em 1979,
quando uma explosão de gás na mina de carvão Appin, na Austrália,
matou 14 pessoas. Novas explosões de gás em minas de carvão na
cidade australiana de Moura mataram 12 pessoas em 1986, e outras 11
em 1994.
Cinco corpos já foram identificados
e ao menos 20 pessoas continuam desaparecidas. As perdas humanas no
local poderão ser as piores da história da empresa.
A BHP Billiton é dona de 50% da
Samarco ao lado da Vale, que detém a outra metade da mineradora. A
gigante de commodities, que teve lucro de $ 13,8 bilhões no ano
passado, chegou ao Brasil em 1984, quando adquiriu a Utah
International Inc. e assumiu a participação que tinha da Samarco
com a Vale.
Em meio a questionamentos sobre as
causas do acidente e especulação sobre se houve negligência das
empresas responsáveis, o presidente-executivo da empresa, Andrew
Mackenzie, e o diretor de negócios de minério de ferro, Jimmy
Wilson, vieram ao Brasil para avaliar a extensão da tragédia.
Os executivos visitaram o complexo
de barragens e, nesta quarta-feira, falaram com a imprensa pela
primeira vez em uma coletiva na sede da Samarco, em Mariana, ao lado
do presidente da Vale, Murilo Ferreira.
Mackenzie anunciou a criação de um
fundo de emergência com a Vale para capitanear o esforço de
reconstrução na região e ajudar as famílias e comunidades
afetadas. Ele disse que a empresa está "100% comprometida"
a prestar apoio no longo prazo.
“Lamentamos muito o que
aconteceu”, afirmou ele, contando que sobrevoou o local e que o
cenário é de “partir o coração”.
“Ouvi relatos de grandes
demonstrações de coragem, heroísmo e dedicação, e a coragem e
resiliência das esforços de resposta são muito inspiradores”,
disse. “As pessoas de Mariana têm a minha absoluta determinação
de que vamos cumprir o nosso papel em ajudar a reconstruir suas casas
e comunidades.”
Na mesma coletiva, o prefeito de
Mariana, Duarte Júnior, calculou em R$ 100 milhões o prejuízo
causado.
25 mil piscinas olímpicas de lama
Na quinta-feira passada, o
rompimento das barragens do Fundão e de Santarém liberou o
equivalente a quase 25 mil piscinas olímpicas de uma mistura de
resíduos de minério de ferro, água e lama na região, deixando um
rastro de destruição e causando prejuízos que alcançam o Espírito
Santo.
Além da pressão para esclarecer as
causas do acidente, a Samarco – bem como a Vale a BHP – tem sido
questionada sobre a falta de um sistema de alarme sonoro para alertar
moradores de Bento Rodrigues sobre o mar de lama que se aproximava.
Há críticas também à falta de
ação para reduzir o impacto nos dias posteriores, alertando
moradores de outras comunidades atingidas – como Barra Longa, a 60
quilômetros de distância, alagada com a lama no meio da noite após
o acidente apesar de moradores terem sido assegurados de que ali o
leito do rio cheio de lama não iria subir.
Em Londres, apenas duas semanas
antes do desastre, a BHP fazia sua reunião geral anual, onde buscava
reafirmar seus compromissos com segurança e responsabilidade
ambiental diante do atual cenário de mudanças climáticas.
Samarco
teve licença em Mariana suspensa, e especialista diz que Vale tenta
estratégia de pouca visibilidade
Como aconteceram em outras reuniões
anuais, porém, os executivos da empresa foram recebidos na entrada
por protestos de grupos de operários que viajaram da Colômbia até
a capital inglesa para pressionar contra o avanço de projetos da
empresa sobre suas comunidades, ao lado de ativistas que criticavam
os impactos negativos da mineração.
Richard Solly, um dos fundadores da
London Mining Network (Rede Londrina de Mineração), estava lá ao
lado de outros grupos para pressionar a empresa.
Sua organização monitora o impacto
de projetos de mineração no mundo todo e se articula com outros
grupos para buscar reduzir seus efeitos negativos sobre comunidades e
sobre o meio ambiente.
"A BHP gosta de se apresentar
como a mais responsável e mais limpa do mundo, mas temos muitos
exemplos dos danos que sua atividade causa e do despejo extremamente
danoso de resíduos no meio ambiente", afirma Solly.
"A empresa tem uma estratégia
de comunicação muito boa, e aqui (no Reino Unido) costuma
impressionar seus acionistas com suas apresentações. Ela não finge
que suas atividades não têm impacto negativo e fala de uma maneira
mais transparente sobre as coisas que está fazendo para mitigar
esses impactos, então isso costuma contribuir para uma imagem
positiva. Isso claramente vai ficar mais difícil após o acidente no
Brasil", opina.
Após a tragédia, as ações da BHP
chegaram a seu nível mais baixo em sete anos na bolsa australiana na
segunda-feira. As da Vale fecharam a sexta-feira com queda superior a
7% e caíram mais 5,6% na segunda-feira, e agora já começam a se
recuperar.
'Desresponsabilização'
Na segunda-feira, a Secretaria
estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais suspendeu a licença da
Samarco para exercer qualquer atividade no município de Mariana,
afora ações emergenciais de resposta à tragédia.
No Brasil, a BHP detém direitos de
exploração de blocos de petróleo na bacia Foz do Amazonas; atua no
setor de alumínio, com participação de 14,8% na mineradora de
bauxita Mineração Rio do Norte (MRN), no Pará; e, no Maranhão,
tem participações no Consórcio de Alumínio do Maranhão (Alumar).
Professor da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, o sociólogo Rodrigo Santos coordena o grupo de
pesquisa Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade, que
monitora impactos negativos de projetos de mineração no país. Ele
afirma que, no Brasil, a BHP ainda é pouco conhecida porque explora
pouco a divulgação de sua imagem.
Santos diz que a Vale tem
inquestionável preponderância no Brasil e uma posição de destaque
da BHP a deixaria mais suscetível a riscos institucionais e
econômicos no país. Assim, diz, sua estratégia tem sido de se
apoiar em posições acionárias minoritárias e
na"desresponsabilização" operacional.
"É possível compreender a
tática de parceria com a mineradora brasileira (Vale) como uma
estratégia de visibilidade reduzida", diz Santos.
"Isso deve permanecer central
nas ações da BHP junto ao Estado e à opinião pública brasileira
após o desastre. Mas é provável que mobilizações da sociedade
civil e da imprensa questionem quaisquer pretensões da empresa de se
eximir de responsabilidade e de manter uma baixa visibilidade no
evento."
Desastres
ambientais em outros países têm gerado protestos contra a BHP no
mundo
Santos diz que a imagem da BHP vem
sendo questionada "há bastante tempo" em outras partes do
mundo por redes de ONGs, movimentos sociais e populações afetadas
pela mineração, a exemplo do que ocorre no Brasil com movimentos
que defendem comunidades e territórios de áreas de mineração.
Um deles, o Movimento dos Atingidos
pela Vale, protagonizou um protesto na sede da empresa, no Centro do
Rio de Janeiro, na terça-feira. Um grupo de ativistas e artistas com
os corpos cobertos de "lama" se postaram na entrada do
prédio na avenida Graça Aranha para denunciar o que consideram
responsabilidade da empresa no rompimento das barragens.
Outras polêmicas
O desastre em Mariana se soma a
outros projetos pela qual a BHP está tendo sua atuação contestada.
Na Austrália, seu país de origem, há polêmica em torno do centro
minerador Olympic Dam, uma jazida com reservas de cobre, ouro, prata
e, segundo Santos, o maior depósito mundial de urânio por área de
extensão.
O projeto foi assumido pela BHP em
2005, mas tem sido questionado pela produção de rejeitos
radioativos e pelo altíssimo consumo de água.
Outras polêmicas incluem as minas
de cobre de Escondida, no Chile, onde ONGs denunciam vazamentos de
resíduos de cobre, e os planos de implantar um megaprojeto de
extração de carvão em florestas na Indonésia, o IndoMet.
Mas o projeto com consequências
ambientais e sociais mais graves na história da BHP é o da mina OK
Tedi, em Papua Nova Guiné. Em 1999, a empresa admitiu ter liberado,
ao longo de mais de uma década, milhões de toneladas de rejeitos da
exploração de cobre nas bacias hidrográficas dos rios OK Tedi e
Fly. O impacto comprometeu 120 comunidades camponesas e de pescadores
artesanais na região, afetando até 50 mil pessoas.
Na época, o presidente-executivo da
empresa Paul Anderson admitiu que, diante das conclusões de um
estudo feito por uma comissão científica sobre os danos no local,
“a mina não é compatível com nossos valores ambientais e a
companhia nunca deveria ter se envolvido”.
Em 2002 a companhia se retirou
inteiramente do projeto, transferindo sua posição acionária (52%
da mina) para um fundo de desenvolvimento do governo, que deveria
reverter em benefícios para a população do país.
Porém, segundo pesquisadores,
apenas uma pequena porção dos recursos beneficiou as pessoas
impactadas pela poluição do rio e pelo desmatamento na área.
À BBC Brasil, a BHP Billiton afirma
que sua “prioridade imediata” é o bem-estar dos funcionários da
Samarco e das comunidades locais, bem como o de prestar apoio à
Samarco em seus esforços de resposta à tragédia."
Fonte: BBC – Brasil
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