“Não pise nas formigas.”.
Frase pintada em placa no pátio do Templo Budista de Três Coroas (RS)
Em 2019, eu e minha esposa visitamos o Rio Grande do Sul. Fomos para a Serra Gaúcha, e aproveitamos o momento para visitarmos o templo budista localizado no município de Três Coroas. É um lugar belíssimo com uma história incrível, e naquele dia nublado algo me chamou a atenção de maneira especial.
Caminhávamos pelo jardim que abraça o templo, e bem próximo a uma das calçadas estava uma placa. E em letras grandes e bem visíveis, a advertência: “Não pise nas formigas.”. Foi então que reparei na trilha de pequenos seres avermelhados que se movimentavam freneticamente, de um lado para outro, carregando pequenos pedaços de folhas.
Eu teria percebido as formigas se não fosse o aviso colocado de forma tão cuidadosa? Muito certamente que não, e a sola do meu tênis seria a última coisa que dezenas delas teriam visto. Outra pessoa, ao contrário, poderia pisar com total intenção de fazê-lo, simplesmente guiada por uma reação costumeira.
Enquanto eu e minha esposa cuidadosamente pulávamos o caminho das incansáveis formigas e continuamos o passeio, minha mente se transportou para o ano de 2013. O local é um seminário sobre Ética, sediado no prédio da Petrobras. Enquanto assistia a primeira palestra do dia, uma barata surge de penetra em uma das paredes. E logo é percebida pelo público. Um suave incômodo surge no ambiente, enquanto a inesperada convidada, prudentemente pousada em um local alto, passeia alheia ao que provoca em sua volta. Ela voará? Sairá em disparada loucamente em direção a alguém?
Nem uma coisa nem outra. Depois de minutos de tensão, a barata encontra um espaço entre as placas acústicas e desaparece. A calma retorna ao salão.
Entra o próximo palestrante, o professor Alípio Casali. E depois de introduzir o tema, da forma magnífica como sempre fez nas palestras que tive o prazer em assisti-lo, abordou a visita da barata, de forma tão inesperada quanto a própria. Reproduzo aqui a essência de suas palavras, não a exatidão do que disse: “enquanto ocorria a palestra anterior, apareceu uma barata no salão. E ouvi várias pessoas dizendo que alguém precisava pegar a barata, matar a barata. Mas por que matamos baratas?”.
Aproveitando a situação inusitada, o professor Alípio trouxe para reflexão de todos nós: por que fazemos algumas coisas? E por que consideramos estas coisas como boas ou ruins, normais ou anormais?
A palestra do professor Alípio já me havia provocado um intenso mergulho sobre o motivo pelo qual eu fazia algumas coisas. Era “normal” que, quando eu andava pelas ruas, eu esmagasse as baratas que surgissem no meu caminho. Depois da palestra, eu simplesmente passei a não fazer mais isto. De alguma forma, percebi que matava baratas de forma tão automática que não mais me questionava do motivo que eu agia daquela forma. Em algum momento da minha vida, fui ensinado que matar baratas era algo bom. E repeti aquele ato como um robô.
Retorno ao templo e ao tempo com minha esposa. Sentados em um banco, pensei sobre como agimos de forma automática para dezenas de ações que fazemos diariamente, sem saber sequer o porquê. Em quantas formigas pisamos por não vê-las ou porque nos disseram que era bom agir desta maneira? Ou quantas ações fazemos mascaradas por nossas verdadeiras intenções?
Diariamente, tomamos milhares de decisões. Com o intuito de poupar tempo e energia, nossos cérebros desenvolveram uma maneira de tomar as decisões com o melhor custo x benefício (tempo e energia) possível. Este mecanismo é chamado pela ciência de “Heurísticas”. Um procedimento mental que reduz o tempo de tomada de decisão e o seu custo energético, facilitando enormemente o nosso dia a dia.
Como tudo possui bônus e ônus, se por um lado as heurísticas facilitam a tomada de decisões, pode nos levar a tomada de decisões inconscientes, e consequentemente, a ações inconscientes. As heurísticas também podem distorcer nossa capacidade de percepção dos fatos, uma situação ocasionada pelos chamados “vieses cognitivos”, filhos diretos das heurísticas.
Os vieses cognitivos tiveram seus estudos aprofundados pela Psicologia Comportamental, e ganharam enorme visibilidade nas últimas décadas em virtude de sua aplicação na Economia, a chamada “Economia Comportamental”. Por este ramo da Economia, estuda-se os motivos pelos quais os seres humanos tomam decisões financeiras ou econômicas, demonstrando que essas decisões, em grande parte dos casos, fogem de aspectos que as consideraram decisões “racionais”. O psicólogo comportamental Daniel Kahneman, vencedor do Prêmio Nobel, tornou-se popular com livros sobre o assunto, como o campeão de vendas “Rápido e Devagar”, que descreve as formas de pensar que possuímos – e que influem decisivamente em nossa forma de agir.
Você sabe por que você faz as coisas que faz? Por que toma as decisões que toma? Percebe o impacto que suas ações têm no mundo?
Heurísticas facilitam a nossa vida, mas não podemos nos tornar escravos delas. Mas apenas poderemos utilizá-las a nosso favor se refletirmos o motivo pelo qual fazemos as coisas. Os programas que nos tornam autômatos estão em nós, e podemos alterá-los. Mas precisamos ter consciência deles, e abraçar a responsabilidade em redesenhá-los.
Somente dessa forma exercemos o que separa os seres humanos dos demais seres vivos que coabitam este lindo planeta conosco: a Autonomia.
Maurício Luz |
1º Belmiro Siqueira de Administração – em 1996, na categoria monografia, com o tema “O Cliente em Primeiro Lugar”.
E o 2ºBelmiro Siqueira em 2008, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades Para a Ciência da Administração”..
Ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho de Administração RJ.
Com experiência em empresas como SmithKline Beecham (atual Glaxo SmithKline), Lojas Americanas e Petrobras Distribuidora, ocupando cargos de liderança de equipes voltadas ao atendimento ao cliente.
Maurício Luz é empresário, palestrante e Professor. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997).
Mestre em Administração de Empresas pelo Ibmec (2005). Formação em Liderança por Condor Blanco Internacional (2012).
Formação em Coach pela IFICCoach (2018). Certificado como Conscious Business Change Agent pelo Conscious Business Innerprise (2019).
Atualmente em processo de certificação em consultor de Negócios Conscientes por Conscious Business Journey.
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