Por Anita Krepp * Especial para o Estadão
Claudio Lottenberg, ex-presidente do hospital Albert Einstein e atual presidente do conselho da entidade, já vinha acompanhando os avanços da substância na medicina havia vários anos, até que, no ano passado, decidiu apostar no seu próprio negócio ligado à cannabis. Hoje, é um dos sócios da Zion MedPharma, de medicamentos produzidos com a substância. Segundo ele, não há dúvidas sobre o potencial terapêutico, mas ainda é preciso superar a barreira da falta de conhecimento e de informações.
“Quando as cirurgias de miopia começaram, também enfrentaram preconceito, pois eram vistas como estética. Depois, normalizou. Coisa parecida aconteceu com a cirurgia bariátrica. Esses preconceitos sempre existiram e precisam ser quebrados para que a medicina evolua”, diz.
Ao lado de Lottenberg no comando da Zion está Dirceu Barbano, ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ele, que assinou as primeiras autorizações para importação de cannabis no Brasil e foi um dos responsáveis pela abertura do órgão à discussão da questão, não teve dúvidas quando a oportunidade de investir no mercado de cannabis bateu à porta. Hoje, a Zion tem seu valor de mercado estimado em R$ 60 milhões.
Ex-diretor executivo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Allan Paiotti, que também já ocupou cargos de diretoria em empresas de tecnologia, logística e investimentos, também entrou nesse mercado no ano passado. “Quando tive contato com o mundo da cannabis medicinal, fiquei superimpressionado com seu potencial terapêutico e com o relativo atraso do Brasil nessa matéria. Aí, resolvi juntar as coisas”, diz, referindo-se à decisão de cofundar a Cannect, marketplace de produtos médicos e à base de cannabis, em que atua como presidente.
Aposta firme
No exterior, não são apenas executivos da área da saúde. Grupos farmacêuticos inteiros já fizeram suas apostas na cannabis. A Pfizer e a Jazz Pharmaceuticals investiram, no ano passado, cerca de US$ 7 milhões cada uma em aquisições. Mas, no Brasil, até pela insegurança jurídica que cerca o tema - uma vez que a maconha, considerada ilícita no País, é uma das espécies da cannabis -, esse tipo de movimentação ainda não acontece em larga escala. A Hypera, maior farmacêutica do País, já protocolou pedido para a comercialização de produtos à base da substância e aguarda pela aprovação da Anvisa.
Para que esse mercado avance, seria necessária a sua regulamentação. Mas o projeto que trata do assunto, o PL 399/15, está parado no Congresso desde 2015. Quase todos os países da América Latina estão mais adiantados em relação à regulamentação da cannabis. Uruguai, Colômbia, México, Argentina e Paraguai, por exemplo, já autorizaram o plantio em seus territórios, passo fundamental para o crescimento do negócio.
Enquanto isso não acontece por aqui, os fundos de investimentos que investem nesse mercado precisam recorrer às empresas listadas nas Bolsas americanas, como é o caso do fundo da XP. O BTG também entrou nesse segmento após a compra, no ano passado, da gestora Vítreo, que já tinha um fundo de investimentos voltado para a cannabis.
Mas, apesar das dificuldades, o potencial do mercado não passou despercebida para Theo van der Loo. Ele foi presidente da Bayer no Brasil de 2011 a 2018. Quando saiu da empresa para se aposentar, encontrou tempo, enfim, para se dedicar aos estudos sobre a cannabis. Cauteloso, primeiro se tornou investidor de uma empresa no Uruguai, até que, em 2019, fundou a NatuScience, importadora de produtos para o mercado brasileiro.
Atualmente, ele dedica cerca de 70% do seu tempo ao mercado da cannabis. “É uma questão complexa, com muitas oportunidades, mas, também, muitos riscos pela questão regulatória. Como você vai investir milhões em ensaios clínicos para desenvolver o mercado se não tiver a segurança de que o mercado seguirá existindo?”, diz ele, que se atentou à cannabis como oportunidade de negócio por sugestão de seu filho.
A entrada das empresas de cannabis nas Bolsas dos EUA e do Canadá chamou a atenção tanto da mídia - que alçou a erva das páginas policiais para as de economia - quanto dos players do mercado financeiro. Foi assim que Diego de Assis, gerente de risco da Visa para a América Latina, com experiência de mais de dez anos na gestão de risco de crédito corporativo no País, tornou-se investidor-anjo da Cannapag, plataforma brasileira de pagamentos para produtos e serviços do nicho. Para ele, a legalização do cultivo de cannabis no Brasil pode gerar uma revolução agrícola e, com ela, oportunidades sem precedentes.
Outro executivo do mercado financeiro que resolveu apostar as fichas nesse segmento é José Roberto Machado. Com 28 anos de experiência na área financeira - sendo 18 deles no Santander -, ele decidiu, há dois anos, deixar o cargo de diretor que ocupava no banco para entrar de cabeça no setor de cannabis. Em um primeiro momento, como investidor de um cultivo no Uruguai; em seguida, como investidor-anjo na operação da brasileira OnixCann, onde também atua como conselheiro.
O mercado também atrai pessoas ligadas ao esporte. O tenista Bruno Soares investiu recentemente R$ 12 milhões na importadora brasileira EaseLabs. “Senti na minha própria pele os benefícios da cannabis para os problemas que eu tinha como atleta de alto rendimento e, desde então, faz parte da minha rotina”, conta, falando de suas crises de ansiedade e inflamações musculares.
Pioneirismo
Patrícia Villela Marino, casada com Ricardo Villela Marino, membro de uma das famílias controladoras do Banco Itaú, figura entre os principais investidores da cannabis no Brasil. Sua relação com o tema é antiga. Em 2010, ela liderou a criação da Plataforma de Política de Drogas, apoiada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para discutir essa questão na América Latina. Em 2015, a plataforma transformou-se no Instituto Humanitas 360, que abarca este e outros assuntos de cunho social.
© Estadão/Diego Da Silveira Patrícia Villela Marino, cofundadora e presidente da Humanitas360 e fundadora do Civi-Co, está entre os principais investidores da cannabis no Brasil |
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