Por Simony dos Anjos
“Um
dos maiores constrangimentos que os pais passam na criação dos
filhos é explicar como os bebês são feitos e por onde eles nascem.
Para resolver a primeira questão, inventaram a cegonha e para a
segunda, a cesárea [1]. Bom, você deve pensar que estou sendo
irônica, mas não. A cesárea é mais um dos contos de fadas
inventado pelo lobby médico do parto agendado. Há milhares de anos
a espécie humana nasce pela vagina, de parto natural e sem essa
medicamentalização extrema do parto, e estamos aqui, não?
Que
a medicina desenvolveu maneiras de evitar a morte e estender a vida,
é inegável. Que haja a necessidade de fazer um parto por cesárea,
eventualmente, não há dúvida. Mas você já frequentou uma
maternidade na semana de feriado prolongado? Assim como o relógio
dita como a vida deve ser vivida, querem que o calendário dite como
ela deve iniciar, de preferência em dia útil das 8h às 18h.
A
história do circular de cordão umbilical que estrangula o bebê, que
a mulher não tem passagem, que a vagina vai ficar mais larga, que o
bebê é muito grande etc., são elementos que trazem legitimidade
para provar a necessidade de uma cirurgia que, na maioria das vezes
no Brasil, é desnecessária. Adicionamos a isso a infantilização
do corpo feminino e a descrença que nossos corpos podem parir e
amamentar, e temos uma verdade médica criada. Sim, isso é sobre o
controle de corpos femininos. Os partos são um momento único na
vida de uma mulher e de seu bebê, e não é tratado como evento
único, mas como mais um – muitas mulheres sofrem episiotomias
absolutamente desnecessárias, um corte na vagina que pode prejudicar
muito a vida sexual dessa mulher, além da autoestima que é
fortemente atacada, para acelerar o processo.
No
Brasil, em 2017, 55,5% dos partos foram cesáreas, contra 44,5% de
partos normais (levando em consideração SUS e particulares), quase
dois milhões de cirurgias desnecessárias. Sim, temos que tratar a
cesárea como uma cirurgia que incorre em aumento da taxa de
mortalidade materna e infantil – além do impacto no aleitamento
materno, pois mães que fizeram cesáreas tendem a ter índices
menores de aleitamento.
Você
consegue enxergar? Cesárea, no Brasil, não é uma questão de
evitar riscos à mãe e ao bebê, é uma questão de uso dos recursos
dos hospitais e de disponibilidade de equipe médica.
E
por que a cesárea é tão recorrente nas maternidades? Tempo. Um
parto normal demorar horas, dias, e demanda um protagonismo do corpo
da mulher. A equipe médica deve ser paciente, não se pode agendar
vários partos normais para um dia, não se pode agendar o processo
natural do corpo da mulher. Várias de nós, quando vão ao seu
obstetra pelo convênio, escutam: “Se for normal, vai ter que ser
no pronto socorro. Comigo, apenas cesárea”. E se você entrar em
trabalho de parto em feriado ou final de semana, a chance de você
sofrer uma intervenção no parto é muito maior.
Médicos
obstetras planejam partos para que possam, também, atender às
consultas e demais compromissos, sem grandes inconvenientes. Para o
hospital particular, é lucrativo alugar todo seu equipamento de
cirurgia com uso certo, do que apenas para intercorrências. Enfim,
há um mercado que lucra com a cesárea, há uma sociedade que quer
apagar o protagonismo da mulher e de seu corpo. Uma sociedade que
quer esquecer que a origem da vida é a vagina.
Não
bastando esse cenário desolador para as mulheres, contra o qual
muitas de nós luta (O trabalho da casa Ângela é
essencial na humanização e dignidade no atendimento da mãe e do
bebê), a deputada Janaína Paschoal propôs o PL 435/2019, cuja
ementa é “Garante à gestante a possibilidade de optar pelo
parto cesariano, a partir da trigésima nona semana de gestação,
bem como a analgesia, mesmo quando escolhido o parto normal.” .
No texto, a deputada do PSL diz que: “A fim de que o objetivo
deste Projeto de Lei não venha a ser deturpado, frisa-se que esta
Parlamentar não tem nada contra o parto normal, não tem nada contra
o parto natural, mas tem tudo contra o desejo de impor convicções
de umas poucas pessoas às demais. Ousa-se dizer, à maioria.”
Vamos
falar sobre imposição, deputada? Durante décadas, médicos vêm
controlando nossos corpos, dizendo que não podemos parir sem cortes,
alimentar nossos filhos sem leite industrializado. Lucrando sobre a
nossa insegurança, causada pelo o que falam sobre nós: seus corpos
não são potentes, vocês não podem protagonizar o parto, nós o
faremos por vocês. E a senhora vem com essa conversa fiada de que as
pessoas que defendem o parto sem intervenções desnecessárias, que
promovem uma cultura do parto natural e humanizado, querem impor
convicções? A senhora acha que a gente tem mais poder do que janela
de vidro de maternidade, com hora marcada com a família e com equipe
fotográfica a postos? A senhora acha mesmo que temos mais força do
que todo o lobby dos convênios médicos que querem
otimizar suas equipes, nos finais de semana? Acha mesmo?
A senhora diz que não podemos optar pela cesárea num país que ocupa o segundo lugar no mundo em número de cesarianas. Num país que contraria a Organização Mundial da Saúde (OMS), que estabelece em até 15% a proporção recomendada de cesarianas, sendo que no Brasil esse percentual chega a 57%? [2].
A senhora diz que não podemos optar pela cesárea num país que ocupa o segundo lugar no mundo em número de cesarianas. Num país que contraria a Organização Mundial da Saúde (OMS), que estabelece em até 15% a proporção recomendada de cesarianas, sendo que no Brasil esse percentual chega a 57%? [2].
Ah
faça-me o favor, fale logo quem a senhora representa. Não venha com
essas meias verdades dizendo que preza pelo direito de escolha da
mulher. Que quer romper com a relação vertical médico-paciente. Se
a senhora realmente quisesse isso, mudaria de lado. Agora mesmo, tem
uma mulher em um consultório ouvindo de um obstetra que “só faço
agendado” ou “vamos tirar logo, ele está muito grande” –
quantas doulas podem ter um papo aberto e assertivo com gestantes,
nesses mesmos lugares? E por fim, deputada, pare de fazer coro aos
que odeiam a vagina. A vagina é capaz de parir um bebê. O parto
vaginal fortalece o sistema imunológico do bebê, tem recuperação
mais rápida e prepara o corpo da mulher para a descida do leite.
Nosso direito de escolha deve ser pautado no pleno conhecimento de
nossos corpos, de nossas condições de saúde e dos nossos direitos
sexuais e reprodutivos. Se for pela vida e pela escolha, não pode
ser pela cesárea.”
Simony
dos Anjos é
cristã, evangélica, graduada em Ciências Sociais (Unifesp), mestre
em Educação (USP) e tem estudado a relação entre antropologia,
educação e a diversidade.
Fonte: DCM
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